Punição para maus-tratos
Lei até prevê prisão. Mas quase nunca é aplicada.
Defensores de animais querem que agressões a bichos tenham pena de
serviços comunitários e multas pesadas
talita.boros@folhauniversal.com.br
A
morte do rottweiler Lobo, em Piracicaba, interior de São Paulo, levou a
sociedade civil e ativistas a pedir punições mais eficientes contra
maus-tratos a animais. Organizados nas redes sociais, os manifestantes
criaram um abaixo-assinado para a denominada “Lei Lobo”, e exigem
mudanças nas normas que defendem os direitos dos animais. Lobo, de 7
anos, foi arrastado por uma picape dirigida por seu dono, o mecânico
Cláudio César Messias, em 2 de novembro. O cão, que teve a pata
dianteira direita amputada, não resistiu aos ferimentos causados pela
brutalidade da ação e morreu dias depois. Segundo o Ministério Público
paulista, são frequentes os relatos como o de Lobo, sobre abusos,
ferimentos e mutilação de animais. Para que o abaixo-assinado vá direto à
votação em Brasília, é preciso obter 1,5 milhão de assinaturas. Só
assim os agressores não poderão mais ficar impunes.
Miriam Miranda, presidente da ONG Vira
Lata Vira Vida, responsável pelo rottweiler durante o processo de
recuperação, se reuniu com autoridades do governo federal para levar a
petição pública e tentar achar soluções para coibir esse tipo de
agressão. “O Ministério da Justiça está estudando todas as leis que
tramitam em Brasília referente a animais. A ideia é refinar os projetos e
fortalecer a lei existente, aumentando as penas”, diz. Ao contrário do
que se imagina, punir com mais rigor não significa prender por mais anos
quem maltrata animais. “O ideal é a pena pedagógica. A reclusão não é a
melhor solução, porque a população carcerária já é imensa. Temos que
aumentar a carga de prestação de serviço comunitário, as multas e
incluir restrição de direitos”, diz.
Embora
dificilmente aconteça, a lei prevê pena de 6 meses a 1 ano de reclusão
para quem comete crimes ambientais. Já a multa pode variar de um a 360
salários mínimos (R$ 196 mil) . No caso de Lobo, o Ministério Público
entendeu que Messias deveria pagar apenas dois salários mínimos (cerca
de R$ 1,5 mil) e prestar 120 horas de serviço comunitário no canil
municipal da Piracicaba. “É muito pouco. Isso se ele pagar. Queremos
também que ele arque com as despesas do tratamento, que chegaram a R$
7,5 mil”, indigna-se Miriam. “Não podemos deixar que o caso do Lobo seja
esquecido. A gente teme que a impunidade incentive mais crimes”,
declara. Messias negou que tivesse a intenção de ferir seu cão. Ele
disse que saiu para passear com Lobo na caçamba do carro e não viu
quando ele caiu na rua. Após um quilômetro, ao ver o estado do cão,
ficou nervoso e foi embora.
Casos
chocantes como o de Lobo não são exceção. Em 13 de novembro, uma
cachorra vira-lata ficou com as quatro patas feridas ao ser amarrada e
arrastada por uma moto dirigida pelo porteiro Evaldo dos Santos Jesus,
de 19 anos, em Araçatuba (SP). O servidor Jânder de Carvalho Inácio, de
42 anos, viu e chamou a polícia. O porteiro deve responder por crime de
maus-tratos. A ação teria sido motivada porque o cão havia invadido o
condomínio onde Jesus trabalhava. Júlia, como foi batizada após o
incidente, foi atendida no Hospital Veterinário da Universidade Estadual
Paulista e, por sorte, não teve o mesmo fim de Lobo. Também em
Araçatuba, a Associação Protetora dos Animais (APA) atendeu o caso de um
bóxer que levou golpes de facão na cabeça, e quase teve as orelhas
decepadas. Ele está no centro de zoonoses da cidade e recebe tratamento
até a adoção.
Liberdade amputada
Não só os animais domésticos são
agredidos. Os animais silvestres também são vítimas de maus-tratos e
abusos, principalmente nos casos do tráfico ilegal. Segundo o tenente
Leandro Camargo, do Comando de Policiamento Ambiental de São Paulo, são
apreendidos em média 30 mil animais silvestres por ano em todo o Estado,
em sua maioria pássaros. Normalmente, o criminoso não é levado preso,
mesmo pego em flagrante. Segundo o tenente, o inquérito é instaurado
pela Polícia Civil e depois o acusado é intimado a comparecer em juízo.
“Já nos autos de infração ambiental, expedidos por órgãos do Sistema
Nacional do Meio Ambiente, as multas são aplicadas de acordo a espécie
do animal”, afirma Camargo. Se a espécie estiver em extinção, a multa é
de R$ 1 mil por animal. Caso contrário, é de R$ 500, podendo dobrar caso
seja comprovada a intenção de comercialização do bicho. “Dos animais
silvestres apreendidos em São Paulo, 90% não foram capturados aqui. Por
isso, o combate a esse tipo de crime deve ser feito em parceria com
outras regiões”, diz. Ele destaca que quem quiser denunciar crimes
ambientais em São Paulo pode ligar para o Disque Ambiente
(0800-11-3560), além de contar com o apoio das delegacias e do
Ministério Público.
Sociedade diz "chega!"
Organizados através das redes sociais,
cerca de 400 pessoas saíram em passeata, em 20 de novembro, pela Avenida
Paulista, uma das principais vias de São Paulo (foto ao lado), para
protestar contra os recentes casos de maus-tratos a animais.
O publicitário Luiz Fernando Sobreiro,
de 54 anos, um dos líderes do protesto, conta que a ideia de realizar o
ato de repúdio surgiu após a morte de Lobo e o caso da também rottweiler
Jade, que foi queimada pelo dono em São Paulo. “As punições que existem
não surtem efeito. Hoje o cara que botou fogo na Jade está em casa e
ela está passando por um tratamento dolorido e caro. Não existe pena. O
tutor de Lobo paga R$ 1,5 mil e sai livre de tudo”, diz. Para Sobreiro,
além de penas mais severas, é importante iniciar um trabalho de
conscientização desde cedo. “Ensinar as crianças do ensino fundamental
que o animal sente dor, fome, tristeza e medo”, enfatiza.
Quem presenciar maustratos a animais
pode registrar boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia. É
importante acompanhar o caso ou pedir apoio de uma entidade para
garantir a abertura de inquérito. Outra opção é entrar com uma
representação no Ministério Público estadual. Quanto mais provas
(fotos, vídeos, placas) maior a chance de o agressor ser punido.
Folha Universal
Nenhum comentário:
Postar um comentário