quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

'Brasil deve se envolver mais na ajuda externa'

'Brasil deve se envolver mais na ajuda externa' 
 
Hoje no comando de uma Fundação, o bilionário vai apelar aos emergentes por maior colaboração com os países pobres 

25 de janeiro de 2012 | 3h 08

ADRIANA CARRANCA / LONDRES - O Estado de S.Paulo
 
Bill Gates desembarcará no Fórum Econômico Mundial, que começa hoje em Davos, na Suíça, com um apelo aos países ricos para que não cortem a ajuda externa que destinam aos países necessitados, apesar da recessão mundial.
Ao Brasil, pedirá que assuma maior compromisso com as nações pobres. "Chegou o ponto em que o Brasil deve se envolver mais na ajuda externa e assumir uma posição de liderança (no desenvolvimento global)", disse ao Estado, por telefone, o bilionário criador da Microsoft que hoje dedica o tempo à Fundação Bill & Melinda Gates.
O apelo de Gates será feito em um momento de pessimismo entre as lideranças globais - pelo menos 54% delas acreditam que em 2012 o mundo enfrentará uma ruptura geopolítica e a queda da cooperação internacional. O porcentual foi obtido pelo Índice de Confiança Global, com base em entrevistas feitas com 345 empresários, investidores e representantes de governos e organizações internacionais membros do Fórum Mundial.
Para garantir que a ajuda externa não seja reduzida, Bill Gates tentará convencer não apenas a Europa a manter os 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados às nações pobres, mas também os emergentes Brasil, China e Índia a aumentarem seus volumes de doações até o nível europeu.
Na carta anual que escreve a doadores e parceiros, Gates cita o Brasil como parceiro fundamental para ajudar a transferir tecnologia a países pobres, principalmente da África, e alavancar o desenvolvimento dessas regiões.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é o papel do Brasil no desenvolvimento global?
O Brasil é o único país tropical que tem feito um grande trabalho na agricultura. É líder na produção de soja e mandioca e avançou muito no conhecimento do solo, desenvolvimento de tecnologia para evitar doenças e aumentar a produtividade e assistência aos agricultores. A inovação trazida por órgãos como a Embrapa permitiu a transformação do cerrado. Nesse sentido, há muitos avanços concretos que o Brasil pode fazer no mundo.
Como a sexta maior economia do mundo, o Brasil tem feito o suficiente para ajudar os países pobres?
O Brasil tem muito com que se orgulhar sobre o que tem feito para reduzir a pobreza no próprio país e parte disso tem a ver com boas políticas públicas. Mas acho que chegou o ponto em que pode assumir projetos realmente ambiciosos para ajudar países pobres, especialmente da África, a resolverem seus problemas. Nesse sentido, o Brasil tem condições de fazer muito mais. Nós assinamos, no mês passado, um acordo com o governo local para trabalhar em alguns projetos. Com apoio do Japão, o Brasil vai ajudar a alavancar a agricultura de Moçambique, que tem 55 milhões de hectares de cerrado e 80% de população rural.
O senhor defende que os países emergentes devem contribuir no mesmo patamar que os ricos?
Absolutamente! Não espero que seja uma decisão imediata, mas países como o Brasil, antes receptores de assistência que agora deram a volta por cima, devem aumentar a ajuda gradualmente. Se alguns derem o exemplo, outros seguirão. No G20, o primeiro-ministro britânico David Cameron disse que seria mais fácil aprovar a manutenção da ajuda em 0,7% do PIB em seu país se outros o fizessem.
Como convencer os países a oferecer ajuda em tempos de crise?
No G20 propus a criação de novos impostos sobre transações financeiras, tabaco, emissão de carbono. Essas ideias não têm aceitação unânime, mas alguns países podem adotá-las. Agora, muitas outras coisas podem ser feitas para aumentar a ajuda externa. Brasil, Índia e China podem contribuir não apenas com novos recursos, mas com a experiência de terem enfrentado e vencido alguns dos problemas que outras partes do mundo ainda enfrentam.
Os Estados Unidos e a Europa passam atualmente por uma recessão, com altos níveis de desemprego e o pessimismo aponta para a queda da cooperação internacional. Como o sr. vê esse cenário?
É uma questão de escolha. Nos últimos anos, reduzimos em 20% as mortes por malária, mas precisamos chegar a uma redução de 100%. Pelo menos 8,6 milhões de pessoas receberam tratamento contra tuberculose e 6,6 milhões de pessoas tomam medicamento antirretroviral. Se os países mantiverem o compromisso com ajuda externa, teremos US$ 10 bilhões (dinheiro destinado ao Fundo Global de Luta Contra AIDS, Tuberculose e Malária, um dos primeiros projetos da Fundação Bill & Melinda Gates) para continuar avançando. Está longe dos US$ 14 bilhões que precisamos, mas já é significativo. Agora, se esse dinheiro for cortado o ritmo de progresso irá desacelerar na mesma medida. E isso será uma grande frustração.

Estadão.com


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